A crise suscitada pela Covid-19, além de ter impactos diretos na saúde, também afeta de forma drástica a economia do país. Suas consequências, no entanto, são agravadas de acordo com a renda, a região e a idade das pessoas. Para as empresas não é diferente, a depender do segmento de atuação, da região, do porte da empresa e de como ela estava financeiramente quando iniciou a crise o impacto pode ser maior ou menor.
Da parte dos governos, no que tange a manutenção da economia, tivemos o anúncio de várias medidas. O Governo acredita que estas medidas sejam suficientes, ou pelo menos são as que estão dentro das suas possibilidades, mas alguns acham que elas são insuficientes.
Dentre as principais ações anunciadas pelo governo tem-se, por exemplo:
▪ um auxílio emergencial de R$ 600 para trabalhadores informais, desempregados, contribuintes individuais do INSS e MEIs;
▪ uma linha de crédito emergencial voltada a pequenas e médias empresas, cujo faturamento esteja entre R$ 360 mil a R$ 10 milhões, como forma de ajuda no pagamento dos salários de seus funcionários – esta operação é feita em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e os bancos privados;
▪ uma linha de crédito da Caixa Econômica Federal voltada ao microempreendedor individual e a micro e pequenas empresas para que obtenham capital de giro.
Dificuldade de acesso aos programas do Governo
Contudo, além da ajuda não incluir as grandes empresas e, como sempre acontece nestes casos no Brasil, o dinheiro acaba não chegando para as empresas quando mais elas precisam.
Segundo o último balanço divulgado pelo BNDES, o crédito aprovado até o momento em todas as ações emergenciais voltadas ao combate à pandemia só 17% do valor disponibilizado foi aproveitado.
“Levantamento feito no final de abril pelo Sindicato de Micro e Pequenas Indústrias do Estado de São Paulo (Simpi) mostrou que 87% das micro e pequenas indústrias não tiveram acesso à crédito e que 75% acreditam que as medidas anunciadas não estão chegando a seus negócios.”
O mercado de Transporte Rodoviário de Carga – TRC
Desde o início da crise aqui no Brasil a NTC&Logística – Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística desenvolveu um indicador para medir o impacto da crise no TRC. Na ocasião foi escolhido o volume de carga transportada como a variável representativa de desempenho do setor – ela está ligada diretamente ao faturamento, produção, número de veículos e de colaboradores etc.
O indicador mostra a variação no volume de carga transportado, semanalmente, em relação a condição normal, ou seja, sem que houvesse o Coronavirus. Para a definição do indicador é feita uma pesquisa objetiva junto aos transportadores, durante as 13 semanas houve um total de 6.547 participações. Os números da pesquisa mostram que houve uma queda forte, em uma semana caiu 26 pontos , em duas já se atingiu 38,7 pontos e com 5 semanas atingiu-se a máxima de 45,2 pontos. Houve em seguida uma estabilização por 6 semanas no patamar de 40 pontos e depois uma pequena melhora em torno de 5 pontos.
O desafio para o setor não é diferente dos demais, com algumas poucas exceções, como é o caso dos setores alimentício, farmacêutico e do agronegócio (este último se encontrava em plena safra), o TRC tem que enfrentar:
− uma queda de 40%;
− que ocorreu muito rápida, em duas semanas;
− não houve chance alguma de adaptação devido a rapidez do acontecimento.
E, ainda, para piorar, as decisões tomadas pelas administrações das empresas têm que conviver com há a incerteza de como e quando será o retorno a normalidade.
As dificuldades e os custos gerados pela crise ao TRC
Por ser uma atividade essencial para o funcionamento da sociedade e a vida das pessoas, pois, é o transporte rodoviário de cargas que abastece as cidades e o campo em praticamente tudo que é necessário, de alimentos, remédios e combustíveis entre outros, ele não poderia parar, como não parou. Mas trabalhar com 40% a menos de carga traz dificuldades que muitas vezes, para quem não está envolvido diretamente, não se vê ou percebe, tais como:
Pagamento dos Custos Fixos: a carga diminuiu, basta parar o caminhão que os custos cessão. Isto não é verdade, pois, toda empresa tem custos fixos, e o TRC não é diferente. Há de se pagar a estrutura administrativa (água, luz, comunicação, IPTU, aluguéis, pessoal administrativo etc) e operacional, a mão de obra (motoristas e ajudantes), o custo fixo dos veículos (IPVA, seguro, licenciamento, etc), tudo com 40% a menos de faturamento.
Cumprimento de Prazos: como cumprir prazos, mantendo a mesma frequência da condição anterior a pandemia com 40% a menos de carga? Além dos custos fixos, quando a frota roda, aparecem os custos variáveis que são custos atrelados a quilometragem rodada pelo veículo de transporte. Assim, como fazer uma viagem de algumas dezenas, centenas ou milhares de quilômetros com um veículo, gastando peças, pneus, combustível, com só 60% da sua capacidade ou do seu faturamento – a única solução lógica e possível é aumentar os prazos de entrega, ou seja, juntando a meia carga de 2 ou mais viagens em 1 e, ainda assim, arcando com o custo fixo da empresa e do veículo que deixou de viajar.
O custo do retorno vazio: como abastecer localidades cuja economia está praticamente parada. Sim, porque apesar das indústrias, de parte do comércio e dos escritórios estarem em home office, a população tem que comer, se medicar, fazer a manutenção das coisas (casa, veículo, eletrodomésticos) etc. Neste caso, o caminhão que vai carregado para suprir as necessidades da região, e voltava trazendo o que se produzia lá, agora não tem nada para trazer de volta.
Quem paga o custo do retorno vazio?
Descompasso no fluxo de caixa: os principais custos da atividade de transporte são pagos praticamente a vista, são eles o combustível e a mão de obra e, o recolhimento dos impostos, em muitos casos antecipados. Já o frete se recebe com 30, 60, 90 e, pasmem até 120 dias. Como é possível se manter com um faturamento 40% menor?
Aumento da inadimplência: o fluxo de caixa, além de sofrer um impacto direto pela falta de faturamento e com o alto custo fixo da atividade, o aumento da inadimplência e os pedidos de prorrogação do prazo de pagamento contribuíram substancialmente para a queda no resultado e a corrosão do caixa das empresas.
Esgotamento da capacidade dos terminais: com a necessidade de acúmulo de cargas em terminais, devido à falta de recebimento em destinatários e a espera para o volume correto de cargas para determinada linha, muitos terminais tiveram altos valores estocados muito acima do risco coberto pelos seguros gerando maior risco aos terminais e maiores custos de gerenciamento de risco.
Também é importante observar que o indicador trata da média das empresas pesquisadas, portanto, há situações melhores e piores. A pesquisa aponta que mais de 90% das empresas foram afetadas negativamente pela crise, em torno de 6% não sofreram impacto algum e 4% das empresas foram privilegiadas com aumento no volume de carga.
A força do TRC
Mesmo com todas as dificuldades citadas o setor de transporte rodoviário de cargas tem feito bem o seu papel, abastecendo hospitais, farmácias, postos de combustíveis, indústrias (alimentícias, farmacêuticas, de higiene e limpeza, entre outras), supermercados, lojas de peças; escoando a safra recorde, além de atender todo o mercado de e-commerce. Não se ouviu em nenhum momento durante a crise que houve algum tipo de desabastecimento em decorrência da falta de transporte. Contudo, é fato que este esforço todo e as dificuldades enfrentadas devem deixar sequelas para o setor, algumas empresas vão ficar pelo caminho, outras sairão debilitadas, mas muitas deverão sair da crise mais forte e eficiente, pois, como já foi dito o TRC é uma atividade essencial e não pode parar.
Por Antonio Lauro Valdivia Neto, Especialista em transportes; Engenheiro de Transportes, pós-graduado e Mestre em Administração de Empresas. Assessor Técnico da Associação Nacional do Transporte de Cargas – NTC&Logística