STJ afasta responsabilidade objetiva de empresas de transporte por assédio sexual cometido por terceiro

STJ afasta responsabilidade objetiva de empresas de transporte por assédio sexual cometido por terceiro

 

Por maioria (5×4), prevaleceu a tese de que tais situações, por serem causadas por terceiros, não podem ser imputadas às empresas.

 

Pela primeira vez, a 2ª seção do STJ uniformizou entendimento acerca da responsabilidade objetiva de empresas de transporte de passageiro por assédio sexual cometido por terceiro.

 

Por maioria (5×4), prevaleceu a tese segundo a qual tais situações, por serem causadas por terceiros, não podem ser imputadas às empresas. Ministros Raul Araújo, Marco Buzzi, Antonio Carlos Ferreira, Cueva e Bellizze formaram a corrente majoritária. Ficaram vencidos Nancy Andrighi, Salomão, Sanseverino e Moura Ribeiro.

 

O entendimento foi fixado em julgamento de dois processos distintos, de relatoria dos ministros Nancy e Raul.

 

“Grito por socorro”

Durante sessão de setembro último, a ministra Nancy Andrighi, relatora de um dos casos, afirmou que, apesar de ter sido causado por terceiro, o dano enquadra-se dentro dos limites do risco inerente ao transporte. “É inegável que a vítima do assédio sexual sofre evidente abalo em sua incolumidade físico-psíquica, cujos danos devem ser reparados pela prestadora do serviço de transporte de passageiros.”

 

Segundo Nancy, mais do que um simples cenário ou ocasião, o transporte público tem concorrido para a causa dos eventos de assédio sexual: “Em tal contexto, a ocorrência destes fatos acaba sendo arrastada para o bojo da prestação de serviço de transporte público, tornando-se assim mais um risco da atividade, a qual todos os passageiros, mas especialmente as mulheres, tornam-se vítimas.”

 

Dessa forma, entendendo que a ocorrência do assédio guarda conexidade com a atividade de transporte, caracterizando caso de fortuito interno, a empresa de ônibus deve responder objetivamente, concluiu a relatora

 

“Inevitável”

Na sessão desta quinta-feira, 3, ministro Raul Araújo, relator de um dos casos, manteve decisão que negou à passageira indenização por assédio sexual sofrido nas rampas de estação da CPTM, quando o agressor tocou seus seios. As instâncias ordinárias entenderam pela caracterização de ato de terceiro como excludente da responsabilidade do transportador de pessoas.

 

Após citar diversos precedentes das turmas, ministro Raul afirmou que o “entendimento consagrado ao longo de anos” vem sendo abalado por precedentes da 3ª turma, em um “nítido descompasso entre os entendimentos prevalentes das duas turmas quanto à caracterização de fortuito interno e externo”.

 

Não há meio de se evitar tal repugnante crime onde quer que ocorra“, afirmou o ministro, ao observar que se trata de comportamento “covarde” e “oportunista”, praticado em “uma fração de segundos”.

 

É sempre inevitável. Quando muito consegue-se prender o depravado, o opressor. Era inevitável, quando muito previsível em tese. Por mais que se saiba da sua possibilidade de sua ocorrência, não se sabe quando, nem onde, nem quem o praticará. Como acontece com os assaltos à mão armada. São inevitáveis, não estão ao alcance do transportador. E na vida muita coisa é assim, infelizmente.”

 

Dessa forma, ponderou S. Exa., o assédio sexual sofrido pela passageira não tem relação imediata com os serviços ou, se é previsível, é inevitável, constituindo caso de fortuito externo, afastando a responsabilidade do transportador.

 

“Problema cultural e social”

Em seguida, o ministro Marco Buzzi apresentou voto-vista em outro processo, de relatoria da ministra Nancy Andrighi. Neste caso, de passageira que sofreu assédio sexual no interior do veículo, a empresa recorre de decisão que a condenou ao pagamento de indenização de R$ 3 mil.

 

Marco Buzzi divergiu da relatora, alinhando-se ao entendimento do ministro Raul Araújo. Para Buzzi, “não há a menor dúvida de que o fato em evidência merece absoluta reprovação“, mas o Legislativo, quando teve a oportunidade de alterar a legislação, não o fez.

 

O legislador brasileiro ao tipificar a conduta versada nos autos como crime deixou claro que reprova, sim, práticas como essa. Todavia, no concernente à responsabilização civil em face de atos ilícitos cometidos por terceiros, estranhos à empresa titular da concessão, levados a cabo no interior de veículo de transporte coletivo, na mesma discussão feita no Parlamento, o legislador não alterou a normatividade civil vigente.”

 

De acordo com S. Exa., trata-se de “um problema cultural e social que nem o punitivismo ou o encarceramento em massa podem resolver“. Assim, afirmou mais adiante no voto, não é possível que o Judiciário impute “uma responsabilidade extensiva por fato exclusivo de terceiro às empresas concessionárias de consorcio se o próprio debate político havido nos poderes Legislativo e Executivo não previu tal responsabilidade“.

 

Segundo Marco Buzzi, seja o assédio, um roubo ou lesão corporal, realizado por pessoa estranha, afasta a hipótese de indenização pela concessionária por configurar um fato exclusivo de terceiro: “O transporte não foi a causa do evento danoso, mas sim sua ocasião.

 

Por sua vez, a ministra Nancy Andrighi destacou que “nenhuma jurisprudência consegue responder o desequilíbrio da incolumidade psicológica e emocional (sendo ela um dever da empresa) que o assédio sexual tem causado nas mulheres que, infelizmente, assediadas num dia, no dia seguinte têm que pegar o mesmo transporte”.

 

Todas essas jurisprudências e lições maravilhosas. Mas não posso fechar meus olhos e pensar que a incolumidade estabelecida pela lei seja apenas física. E mais: tenho certeza de que toda esta doutrina e jurisprudência estrangeira não conseguiu prever o que estava acontecendo na maioria dos casos em uma única estação de Guararapes, sistematicamente acontecendo o assédio, até que vindo a condenação, a empresa tomou providências.

 

Ministros Luis Felipe Salomão e Paulo de Tarso Sanseverino votaram em seguida com a ministra Nancy. Conforme Sanseverino, trata-se de fato de terceiro a exigir maiores cautelas da empresa responsável pelo transporte para evitar a reiteração. “Deve sim ser responsabilizada pela violação da cláusula de incolumidade inerente ao contrato de transporte.”

 

Em seguida, foi a vez do ministro Antonio Carlos Ferreira, empatando o julgamento em 3×3. Para Antonio Carlos, casos caracterizam fortuito externo e rompem o nexo de causalidade. Ministros Cueva e Marco Aurélio Bellizze também seguiram Raul e Buzzi, afastando a responsabilidade objetiva.

 

Já ministro Moura Ribeiro acompanhou a ministra Nancy Andrighi.  Processos: REsp 1.833.722 e REsp 1.853.361

Fonte: Migalhas.

 

Identificação funcional e organograma da empresa confirmam vínculo de emprego

 

O Tribunal Superior do Trabalho manteve decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS) que reconheceu o vínculo de emprego entre uma empresa de transportes de Caxias do Sul e um trabalhador contratado como consultor, mas que desempenhava a função de diretor executivo. Um dos pontos decisivos para esse enquadramento foi a apresentação de crachá do funcionário, com identificação do cargo, e de organograma da empresa, no qual também constava o cargo do reclamante.

 

Na ação trabalhista, o autor disse que fora contratado para preparar a empresa para ser vendida no futuro. O trabalho envolvia atuação em todas as áreas da firma, a fim de coletar e preparar as informações financeiras e de dados para futuros interessados na aquisição da transportadora. Afirmou que, quando começou a prestar os serviços, chegou a cancelar contratos com os demais clientes.

 

Na sentença, o juízo de primeiro grau reconheceu a relação de emprego e, pela falta de registro na carteira de trabalho, presumiu verdadeiras as informações sobre a data de início do vínculo e do salário de R$ 20 mil, confirmado pelo preposto da empresa em audiência.

 

O TRT-RS, ao manter a sentença, destacou que a empresa negou que houvesse subordinação, mas não conseguiu comprovar essa alegação. A decisão de segundo grau registrou também que os depoimentos do autor da ação e do representante da empresa em audiência não deixavam dúvidas de que ele não atuava apenas como consultor, “pois tinha poderes de admitir e demitir trabalhadores”.

 

O relator do agravo pelo qual a empresa tentava rediscutir o caso no TST, ministro Agra Belmonte, frisou que o TRT, instância soberana na análise das provas, examinou-as detalhadamente e concluiu configurada a relação de emprego. Para decidir de forma distinta, seria imprescindível a reapreciação das provas coletadas, procedimento vedado pela Súmula 126 do TST.

Fonte: CONJUR.