Justiça trabalhista rastreia celular e redes sociais contra falsos depoimentos em ações
TST vê mais segurança na busca da ‘verdade dos fatos’ com provas digitais; advogados alertam para limites da tecnologia
A Justiça do Trabalho tem treinado magistrados e servidores para usar redes sociais, rastreamento por celular, mensagens em aplicativos e biometria. A ideia é reduzir a dependência de testemunhas e evitar depoimentos mentirosos.
Juízes são estimulados a buscar dados em operadoras de telefonia, aplicativos, serviços de backup e nuvens de armazenamento para que provas digitais substituam oitivas —uma tradição nos processos— até das partes.
Para evitar violação de privacidade e intimidade, recomenda-se o segredo de Justiça nas ações trabalhistas. À frente dos cursos estão especialistas em direito digital e crimes cibernéticos.
A prática, no entanto, deverá causar debates. A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) ainda não tomou conhecimento da estratégia. Advogados alertam para os riscos da tecnologia.
O comando da Justiça do Trabalho espera que as provas digitais sejam usadas na solução de ações sobre justa causa, horas extras, equiparação salarial e assédio moral e sexual, entre outros temas.
O direito ao recebimento de horas extras, por exemplo, seria confirmado ou rejeitado com geolocalização por celular. A ferramenta poderia atestar ou descartar a permanência no local de trabalho.
A biometria, usada para liberar acessos, se mostraria capaz de dizer quantos empregados entram, saem e descansam em uma empresa. Uma foto em uma rede social poderia fundamentar uma justa causa.
“O juiz, diante de depoimentos testemunhais contraditórios, demanda tempo para cotejar com outras provas no processo, até para se assegurar se o testemunho é verídico ou falso. Com as provas digitais, irá identificar a verdade dos fatos com muito mais segurança”, diz a ministra Maria Cristina Peduzzi, presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho).
Em tempos de Covid-19, ações à espera de julgamento, que após a reforma trabalhista de 2017 caíram, se acumulam. A pandemia forçou a realização de audiências telepresenciais, mas o modelo enfrenta resistência.
De um lado, estão juízes inseguros com atos processuais e, de outro, advogados que pedem adiamento de audiências de instrução, quando as provas são produzidas, até que o trabalho presencial seja retomado.
A idoneidade da prova pode ser ameaçada em razão de eventual orientação de testemunhas, o que é proibido. Entram então na mira da Justiça informações inconsistentes obtidas em depoimentos, que podem dar lugar às provas digitais.
“O uso da tecnologia no Poder Judiciário é um caminho sem volta”, diz Peduzzi. Para ela, as provas digitais irão acelerar os processos e reduzir o estoque de ações.
A ferramenta é estimulada em meio à celebração dos 80 anos da Justiça do Trabalho. O Dia do Trabalho, no sábado (1º), marca a data de criação do ramo no governo de Getúlio Vargas, enquanto gestores buscam o que chamam de Justiça 4.0.
Peduzzi destaca que o juiz tem liberdade na condução e apreciação de provas. Segundo ela, o magistrado pode dispensar uma testemunha que considere “impertinente, inadequada ou excessiva”.
“Se o juiz verificar que a prova digital é suficiente para dar fundamento à decisão, ele poderá, sim, adotar apenas a prova digital, ou trabalhar com outros tipos de provas. Será pouco provável essa redundância [de provas] se temos condições de fazer a prova digital, até porque não temos todo o tempo do mundo”, diz.
Uma ordem judicial abre caminho para a obtenção dos dados. Não há, segundo a ministra, qualquer conflito com a recente LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) ou outros marcos legais.
A atual legislação estabelece regras para evitar vazamentos e proteger dados pessoais. Isso, porém, não impede a captura.
Apesar de presente no dia a dia, a tecnologia ainda é novidade e desafio para magistrados, segundo a ministra Dora Maria da Costa, diretora da Enamat (escola nacional da magistratura do trabalho), ligada ao TST.
“Alguns juízes já usam de forma muito sútil, muito primária, esse tipo de prova digital”, afirma.
É por isso que a escola capacita magistrados, enquanto o CSJT (Conselho Superior da Justiça do Trabalho) prepara servidores. Até o momento, mais de mil deles passaram por treinamento.
O primeiro curso para a magistratura foi realizado em novembro de 2020, quando se formaram 86 juízes. Agora está em finalização uma turma com 50 juízes que irão replicar as técnicas nas escolas dos 24 tribunais regionais.
As aulas começaram no dia 5 de abril e terminam nesta segunda-feira (26), a distância. Foram ministradas às segundas e sextas-feiras, com carga total de 30 horas-aula.
Os magistrados receberam orientações do professor e promotor Fabrício Rabelo Patury, especialista em direito digital e integrante do Núcleo de Combate aos Crimes Cibernéticos do Ministério Público da Bahia. O instrutor do treinamento de servidores é o delegado de polícia Guilherme Caselli, de São Paulo.
Peduzzi e Costa não veem oposição à iniciativa. “A surpresa é que teve fila de espera. A busca é muito grande”, afirma a diretora da Enamat
Presidente da Anamatra (associação de juízes do trabalho), Noemia Porto admite haver a necessidade de aprendizagem. “É uma realidade nova, um pouco assustadora”, diz.
Porto reconhece os impactos do distanciamento social na iniciativa. “Logo depois [do início] da pandemia e com todos os conflitos gerados com as audiências telepresenciais, essa que era uma experiência acidentada agora está tomando corpo de uma experiência sistematizada”, afirma.
Segundo a juíza, as provas digitais podem revelar fatos, discursos e práticas, mas não irão substituir a narrativa das partes.
Fábio Braga, presidente do Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo, que atua em processos trabalhistas, no entanto, rechaça a proposta. “A testemunha sempre foi a rainha das provas”, afirma.
“O princípio da oralidade norteia a Justiça do Trabalho desde o início”, diz o advogado.
Para ele, há ainda quebra de outros princípios, como o da ampla defesa e do contraditório. “Essa contaminação do processo penal na Justiça do Trabalho é um retrocesso muito grande”, afirma.
Antônio Fabrício Gonçalves, presidente da Comissão Nacional de Direitos Sociais da OAB, por ora, foca a avaliação nas audiências telepresenciais. Segundo ele, porém, a Justiça está funcionando.
“A OAB foi muito crítica da audiência de instrução a distância. Quando a pandemia passar, nada substituirá a audiência presencial”, afirma o advogado. Para ele, a videoconferência será viável se as partes aceitarem.
Questionado sobre o uso de provas digitais, Gonçalves diz que ainda não pode opinar e irá estudar o tema na comissão. “Até porque eu estou sabendo dessa proposta agora.”
Fonte: Folha jus.
TRT de Santa Catarina considera válido acordo entre empresa e federação
A recusa de um sindicato profissional em participar de uma negociação coletiva autoriza a empresa a pactuar diretamente com a federação da categoria. A partir desse entendimento, a 5ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (Santa Catarina) rejeitou um recurso do Sindicato dos Vigilantes de Rio Sul (SC) que contestava a adoção de jornada de 12 x 36 horas por uma empresa da região.
O sindicato queria que a empresa pagasse horas extras e intervalos aos vigilantes com a justificativa de que a jornada não tem previsão em lei ou norma coletiva assinada pela entidade. A companhia, em sua defesa, alegou que desde 2017, com a Lei 13.467/17, a jornada especial pode ser adotada por contrato individual. A empresa também argumentou que tentou negociar com o sindicato, mas, após receber uma negativa, procurou a federação da categoria.
O sindicato não foi atendido em primeira instância. O juiz Osmar Theisen (1ª Vara do Trabalho de Rio do Sul) destacou que os representantes admitiram a recusa em prosseguir na negociação (o último pacto assinado pela entidade é de 2010). Ele ponderou também que, nesses casos, a negociação pode ser assumida pela federação que representa a categoria, nos termos do §2º do artigo 611 da CLT.
O sindicato recorreu e também teve o pedido indeferido na segunda instância. “A mera discordância com alguns dos pontos do ajuste não autoriza o ente sindical a se subtrair da negociação, deixando os empregados sem norma coletiva”, afirmou a desembargadora Gisele Pereira Alexandrino, relatora do recurso. “Ainda que não aceitasse as normas convencionadas, ele dispunha de meios para questioná-las, inclusive judicialmente, optando por permanecer inerte”, concluiu.
Fonte: CONJUR.