ESG trabalhista e as decisões judiciais: o risco da vaidade ‘humanista’
ESG (environmental, social and governance) constitui um conjunto de medidas indicadas no relatório Who Cares Wins 2004 da Organização das Nações Unidas que denotam uma nova preocupação de gestores dentro da função social da empresa.
Na área trabalhista, a advogada Simony Braga indica alguns dos principais aspectos, que podem ser tidos como consenso entre os estudiosos:
“(a) Cumprimento da legislação aplicável ao modelo de negócio, com ênfase na garantia de um adequado ambiente laboral e regras bem postas de Medicina e Segurança do Trabalho; (b) incentivo efetivo à diversidade e inclusão social; (c) fomento do marketing responsável e a preocupação com os impactos sociais e ambientais; (d) práticas de Governança Corporativa, com a composição de centros de decisão diversos, com ferramentas para impedir condutas inadequadas (i.e. racismo, assédio sexual, assédio moral); (e) preservação dos valores éticos e a implementação de programas de Compliance que desestimulem a corrupção e posturas antiéticas no ambiente corporativo”.
Em recente evento em que tive a oportunidade de debater o tema, restou clara a preocupação dos gestores em como implementar essa nova responsabilidade social das empresas sem riscos de futuras condenações na Justiça do Trabalho.
Pode soar exagerada a próxima afirmativa, mas a insegurança jurídica instalada em nosso país acaba sendo um enorme entrave ao desenvolvimento do Direito do Trabalho e, portanto, à evolução de conquistas para os trabalhadores.
E o motivo é simples: gestores não conseguem antever, com segurança, como as decisões judiciais interpretarão suas iniciativas na área da responsabilidade social. E temem, com razão, que qualquer concessão mais benéfica seja, a partir daí, reconhecida como incorporada ao contrato de trabalho e espraiada para todos os demais trabalhadores, sob o argumento da isonomia.
O ambiente gerado por décadas de uma visão intervencionista e punitiva, com pitadas ideológicas para um destinatário específico, determina que a máxima da prevenção trabalhista seja minimalista, ou seja, quanto menos o empregador conceder ao empregado, menor o risco que ele assume.
E não bastasse a existência de uma legislação ineficiente, incapaz de gerar a inclusão social e o grau protetivo desejado por todos, passamos a adotar uma visão “humanista” autorizadora de conclusões múltiplas por qualquer intérprete do Direito, a partir da aplicação direta a casos concretos de princípios e valores abstratos sem nenhum parâmetro a balizar os limites das decisões judiciais.
O resultado é o que hoje vivemos: tudo é possível, nada é previsível. Não basta a existência de regra jurídica clara em lei para embasar uma conduta, o jurisdicionado pode ser condenado mesmo cumprindo exatamente a prescrição do legislador. Basta lembrar das condenações milionárias por dispensas coletivas sem negociação prévia com o sindicato profissional.
O “humanismo”, como praticado em diversos julgamentos, traduz no fundo uma solução míope que aproveita da existência de um ator capaz de suportar o custo gerado a partir do sentimento de correção das injustiças sociais, fazendo com que o “privilegiado” suporte as mazelas dos menos favorecidos.
Fomentada pela vaidade, uma das piores e mais comuns características do ser humano, a construção de decisões iluminadas, em que o julgador se sente superior à média e ao legislador, constitui uma verdadeira corrida para o pódio da imortalidade, tanto que não raro o próprio magistrado se incumbe de distribuir entre os colegas a nova decisão, aguardando os elogios de quem padece do mesmo vício.
Além do orgulho, tal forma de exercitar o poder jurisdicional suplanta o vazio da culpa de quem sente estar em patamar de elite, compensando através da caridade alheia, atribuindo ônus e custos a terceiros, com o objetivo de se aproximar do destinatário de sua proteção. Uma espécie de agente infiltrado do bem em uma luta contra o mal.
Urge, portanto, que a sociedade debata os limites das decisões judiciais e quais os balizamentos um juiz deve atender para justificar suas condenações para além das regras fixadas pelo legislador.
Um bom caminho, e já trilhado na área administrativa, é a fixação, por lei, do consequencialismo jurídico, conforme artigo 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb), inserido pela Lei 13.655/2018.
Em busca de segurança jurídica, o citado artigo determina que não se pode decidir com base “em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”, devendo a motivação da decisão demonstrar “a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas”.
E o artigo seguinte da Lindb determina que, caso a decisão acabe por “decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas”, bem como “indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos”.
Em outras palavras, trazendo a mesma ideia para a área trabalhista, cabe ao magistrado que fixar obrigações não previstas expressamente nas regras jurídicas ou que invalidar determinado ato ou, ainda, que estender benefícios criados espontaneamente pelo empregador a novos destinatários, com base em valores abstratos (princípios), expressamente demonstrar que, ao menos, consegue perceber o alcance de sua decisão, ter certeza quanto à possibilidade de seu cumprimento e antever possíveis efeitos negativos para o interesse geral.
Aplicar na vida real os valores humanísticos para criar obrigações a terceiros exige a atribuição de custos e, como os recursos são escassos para todos, a escolha por determinado beneficiário fatalmente gera restrições a outrem.
O ideal, portanto, seria avançarmos para um sistema de Direito em que toda e qualquer condenação a partir de decisões criativas, lastreadas em valores abstratos, fosse precedida de um estudo aprofundado de impacto da medida sobre a vida do trabalhador beneficiado, da empresa, sob o prisma da sustentabilidade, e do mercado em geral.
Muitas das novidades criadas pelo Poder Judiciário às cegas geram retrações de mercado, assustando investidores e empreendedores, que assumiram riscos com base nas regras vigentes, não levando em consideração a imposição de obrigações concebidas a partir da vontade de um magistrado que, por sua convicção pessoal, interpreta o ordenamento jurídico à sua maneira.
Se desejamos que as empresas evoluam em sua responsabilidade social, precisamos também evoluir na conscientização da magistratura para que cada decisão seja responsável quanto às suas consequências. No fundo, controlar a vaidade, superar o orgulho e desenvolver a humildade. Difícil, mas já tivemos tais exemplos há mais de dois mil anos… Por Otavio Torres Calvet (Juiz do Trabalho).
Fonte: CONJUR.