Decisão do Supremo sobre vale-pedágio cria enxurrada de ações milionárias

Decisão do Supremo sobre vale-pedágio cria enxurrada de ações milionárias

 

Uma decisão do Supremo Tribunal Federal de 2020 obrigando empresas contratantes de serviço de transporte a pagar duas vezes o valor do frete em caso de não recolhimento antecipado do vale-pedágio está provocando uma enxurrada de processos na Justiça. As transportadoras de carga movem ações milionárias contra o varejo e a indústria pedindo indenizações.

 

A interpretação jurídica, após a decisão do STF, é de que o valor da multa pelo não adiantamento do vale-pedágio pode ser até duas vezes o valor do frete. Isso provocou a abertura de milhares de ações de transportadoras contra ex-clientes, empresas do comércio e da indústria.

 

No Rio Grande do Sul, ações indenizatórias envolvem milhões de reais contra empresas que contrataram fretes. A Transportes Cisne Ltda., falida, venceu processos no Foro de Itaqui com valores de R$ 8.962.959,16 e R$ 16.596.023,05. Já a Fardier Logística Especializada em Cargas Especiais Ltda. obteve vitória no Foro de Canoas no valor de R$ 22.197.338,00. Essa mesma tendência começa a se repetir no restante do país.

 

Histórico do imbróglio

O vale-pedágio foi criado há mais de 20 anos pela Lei nº 10.209/2001, com o objetivo de garantir o pagamento pelo embarcador ao transportador de forma antecipada e apartada do frete. A medida beneficiou principalmente os caminhoneiros autônomos e as pequenas empresas.

 

Desde a promulgação da lei, os tribunais foram acionados para esclarecer diversas controvérsias, sobretudo uma relativa ao artigo 8º da norma. Esse dispositivo determina que o embarcador será obrigado a indenizar o transportador, em quantia equivalente ao dobro do frete, caso o vale-pedágio não seja pago ao tempo e ao modo previsto na lei.

 

O STF julgou constitucional o recebimento do frete em dobro ao motorista que não recebeu o vale-pedágio antes do início da viagem. Assim, desde 25 de outubro de 2002, a responsabilidade e a obrigatoriedade pelo pagamento dos valores devidos a título de pedágio passaram a ser do embarcador.

 

Quem não viu cumprida essa determinação pôde ingressar com ação judicial para buscar os valores devidos e corrigidos no período de dez anos, até 24 de abril de 2022. Após essa data, o prazo foi reduzido. Somente é possível buscar valores de um ano, de acordo com a Lei nº 14.229/2021, a Lei do Frete.

 

A situação se aplica sobre a empresa que não antecipou o pagamento do vale-pedágio obrigatório, nem saldou o valor do pedágio, o que demonstra flagrante violação ao artigo 1º, parágrafo 1º, e ao artigo 3º da Lei nº 10.209/2001.

 

Longos debates

Os debates sobre a validade da indenização pelo dobro do valor do frete por não fornecimento antecipado do vale-pedágio duraram muitos anos. Até o STF concluir pela constitucionalidade do artigo 8º da Lei nº 10.209/2001, no julgamento da ADI 6.031, proposta pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), fixando precedente vinculante e obrigatório sobre o tema.

 

“As empresas têm de se adequar à lei. Mas o entendimento estabelece uma burocracia que torna mais caro o serviço prestado, pois a responsabilidade de determinar o valor do vale-pedágio a ser pago antecipadamente é do embarcador, que tem de estruturar uma área dentro da empresa para fazer isso, quando na verdade a responsabilidade deve ser da empresa de transporte contratada. Isso provoca uma perda de eficiência. Aumenta o custo dentro da cadeia de transporte”, explica Igor Bimkowski Rossoni, especialista em Direito Empresarial, Contratos e Contencioso do escritório Silveiro Advogados, de Porto Alegre.

 

Os valores das indenizações pelo descumprimento da lei, explica o advogado, transformaram-se numa verdadeira mina de ouro para caminhoneiros autônomos e pequenas transportadoras, que podem duplicar seu faturamento. Empresas que estão falidas ou em extremas dificuldades financeiras também vêem uma oportunidade de reequilibrar as finanças.

 

Rossoni dá um exemplo prático. Segundo o advogado, um frete entre Porto Alegre e São Paulo no valor de R$ 10 mil, com custo de pedágio estimado entre R$ 500 e R$ 1 mil, se não tiver o pagamento do vale-pedágio antecipado, resultará em multa de R$ 20 mil. “Assim, são R$ 20 mil de multa por não antecipar R$ 500 de pedágio. Aí você joga isso para dez anos, que é o prazo para prescrição, e veja quanto vai custar tudo”, alerta o advogado gaúcho. “Nos preocupa que no meio de ações deste tipo estão verdadeiros aventureiros, sem responsabilidade com essas ações. Eles utilizam a Justiça gratuita em ações para empresas falidas ou em muita dificuldade.”

 

Proporcionalidade
Outro advogado procurado pela revista eletrônica Consultor Jurídico chama atenção para o princípio da proporcionalidade, que estaria ausente na interpretação desses casos. “O STF decidiu pela constitucionalidade do artigo 8º da Lei nº 10.209/2001 no âmbito da ADI 6.031. Ao prever que a penalidade seja calculada sobre o valor do frete, tal decisão, na prática, pode resultar em indenização em patamares muito superiores ao valor do vale-pedágio, em desacordo com o princípio da proporcionalidade, que usualmente é resguardado pela jurisprudência da Suprema Corte”, avalia Gregory de Lima Barbosa, especialista em Direito Regulatório do Stocche Forbes Advogados.

 

“Argumenta-se que essa indenização é desproporcional porque utiliza como base de cálculo o valor do frete, e não o valor do pedágio cobrado no trecho percorrido”, resume Bonifácio Suppes de Andrada, especialista em Direito Regulatório do Mello Torres Advogados.

 

Tal argumento, de fato, levou o Tribunal de Justiça de São Paulo a declarar a inconstitucionalidade do artigo 8º da Lei 10.209/2001. E o Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, também se manifestou, em 2016, a favor da redução equitativa sempre que a indenização se mostrasse excessiva.

 

Esses posicionamentos, no entanto, foram superados em 2020, quando o STF declarou a constitucionalidade do artigo 8º da Lei 10.209/2001.

 

O voto da relatora, ministra Carmen Lúcia, entendeu não haver arbitrariedade, tampouco desproporcionalidade, na base de cálculo da indenização. O ministro Gilmar Mendes foi voto vencido, declarando a desproporcionalidade da multa.

 

Com base nessa decisão do STF, os transportadores puderam ajuizar livremente ações judiciais requisitando o pagamento de indenização, muitas vezes milionárias.

 

Controvérsias não faltam

Algumas questões ainda permanecem longe de um entendimento claro, de acordo com especialistas no assunto. A primeira delas diz respeito ao prazo prescricional para o pedido de indenização. Em 2016, o STJ fixou-o em dez anos porque se tratava de ação que visa à reparação civil por danos decorrentes de descumprimento de obrigação contratual. Essa posição jurisprudencial, contudo, pode ser revista em razão de uma alteração legal de 2021. O artigo 8º passou a contar com parágrafo que estipula um prazo prescricional de 12 meses, contado da data de realização do transporte.

 

Esse dispositivo também teve sua constitucionalidade questionada e foi objeto da ADI 7.136. Porém, o ministro relator a indeferiu monocraticamente, sem analisar o mérito da questão.

 

“Desde a decisão do STF, nota-se uma tentativa de dar maior racionalidade à aplicação da Lei 10.209/2001, de modo a conter uma avalanche de ações judiciais e de condenações excessivas. Além da referida mudança legal, o STJ, em decisão de 2020, por exemplo, impôs às transportadoras o ônus da prova sobre o valor devido em todas as praças de pedágio existentes ao longo da rota contratada. Uma vez indicado o valor devido, caberá ao embarcador demonstrar ter executado o seu pagamento antecipado”, afirma Bonifácio Suppes de Andrada.

 

“Cerca de 70% das empresas multinacionais e transportadoras não obedecem a lei. Quem não antecipa valores está cometendo uma infração”, explica o advogado Rafael Caselli Pereira, doutor e mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBPD) e do Centro de Estudos Avançados de Processo (Ceapro).

 

Pereira alerta que cabe ao autor, contratado/subcontratado — de acordo com o artigo 373, I, do CPC/2015 —, comprovar ter efetuado o frete, bem como comprovar a existência das praças de pedágios, especificando sua localização e valor dos pedágios à época do frete, considerando as concessionárias e praças existentes entre a origem e destino dos fretes.

 

“Feito isso, inverte-se o ônus probatório (artigo 373, II, do CPC/2015), cabendo ao demandado — embarcador/tomador/subcontratante — a demonstração de que o vale-pedágio obrigatório foi entregue antecipadamente ao transportador, no ato de cada embarque que lhe era exigível tal obrigação, contemplando todas as praças de pedágios transitadas pelo contratado”, explica o advogado, cujo escritório no Rio Grande do Sul é responsável por aproximadamente 1,5 mil ações desse tipo em todo o país.

 

No sentido de evitar uma prática muitas vezes abusiva adotada pelas empresas tomadoras e/ou embarcadoras das cargas, a lei estabeleceu que o valor do vale-pedágio não integra o valor do frete, não sendo considerado receita operacional ou rendimento tributável, nem constitui a base de incidência de contribuições sociais ou previdenciárias (artigo 2º).

 

“Esse entendimento vai de encontro ao apelo social dos caminhoneiros autônomos e transportadoras, pois as empresas multinacionais que dominam o mercado impõem o valor do frete que queriam. Acaba prevalecendo o poder econômico e quebra o caminhoneiro autônomo. Esse ajuste na legislação é uma conquista para a categoria”, avalia Pereira.

Fonte:CONJUR.

 

Culpa exclusiva de motorista por acidente impede viúva de receber indenização

 

A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) negou o pedido de reexame de decisão que havia negado o pedido de indenização, de R$ 1 milhão, da viúva de um motorista de caminhão que morreu em acidente ao se chocar com um trem de carga, no Paraná. Ficou demonstrado, no processo, que não houve responsabilidade do empregador pelo acidente.

 

Acidente

O motorista era contratado pela Agro Roque – Serviços e Locações Ltda., de Ortigueira (PR), e prestava serviços para a Klabin S.A., para a qual a Agro Roque prestava serviços terceirizados. Ele dirigia um caminhão caçamba no transporte de materiais para terraplanagem.

 

O acidente ocorreu em julho de 2019, no Município de Reserva (PR), quando ele conduzia o veículo para o pátio da empresa, a fim de realizar alguns reparos. No caminho, ao cruzar uma ferrovia, o veículo foi atingido por um trem de carga, e o motorista morreu ao ser retirado das ferragens.

 

Na reclamação trabalhista, a viúva pedia a responsabilização das duas empresas e o pagamento de indenização por dano moral.

 

Passagem de nível

Em sua defesa, as empresas apresentaram dados das investigações que mostraram, entre outros fatores, que o caminhão estava em perfeito estado de conservação e passava por manutenções periódicas. Também foi constatado que o veículo estava a mais de 60 km/h nas imediações da ferrovia, o que indicava que o motorista não teria adotado os cuidados necessários na passagem de nível (cruzamento entre via férrea e rodovia).

 

Culpa exclusiva da vítima

Em primeiro e segundo graus, a Justiça do Trabalho entendeu que houve culpa exclusiva da vítima. No TRT, o acórdão registrou fatores como o baixo risco de acidentes no local da colisão, a ausência de defeito mecânico no veículo e a presença de sinalização próximo à via férrea. Outro aspecto considerado foi o fato de a velocidade do caminhão ser incompatível com a frenagem segura, além da ausência de elementos que afastassem a conclusão de culpa exclusiva. Por isso, os pedidos da viúva foram julgados improcedentes.

 

Conduta imprudente

O relator do agravo de instrumento pelo qual a viúva pretendia rediscutir o caso no TST, ministro Renato de Lacerda Paiva, observou que o TRT considerou a conduta do motorista imprudente, a ponto de afastar o nexo de causalidade. Nesse contexto, não se pode atribuir a empresa nenhum tipo de falha, nem mesmo sob a ótica a responsabilidade objetiva, baseada no risco da atividade. Para se chegar a conclusão diferente, seria necessário reexaminar os fatos e as provas do processo, procedimento vedado pela Súmula 126 do TST. A decisão foi unânime.

Fonte: TST.